domingo, 27 de março de 2011

Por uma infância sem racismo - visão e depoimento


Está rolando uma blogagem coletiva sobre esse tema. É um dos que mais me mobiliza nessa vida. Mas, antes de falar de racismo, acho melhor falar um pouco sobre a minha visão sobre preconceito, em geral.

Acho que preconceito é uma postura inerente ao ser humano. É uma forma de tentar se antecipar a uma determinada situação, para não se surpreender. Antecipamos um julgamento, um conceito e com isso achamos que damos conta de controlar a vida. É difícil não ter preconceitos, é quase impossível. Mas quando os preconceitos nos prejudicam ou prejudicam os outros, devemos buscar evitar, refletir, mudar o rumo das coisas.

Então, o racismo, a homofobia, o sexismo, são formas de julgar as pessoas antecipadamente, com base em falsos conceitos, de que os negros (ou qualquer outra raça), os homossexuais, as mulheres, são categorias de pessoas que se distinguem das outras negativamente.

Sobre o racismo contra negros e preconceito contra nordestinos posso dar o meu testemunho, pois já sofri na pele, de forma direta ou sutil. A forma sutil é, para mim, a pior delas, é que a te deixa sem defesa, já que você chega a pensar que é paranóia, que é mania de perseguição. E aí o constrangimento fica por isso mesmo. Por exemplo:

Uma vez, estava com Guga no sling, num café tradicional daqui dos Jardins. Tava num papo com uma mãe, loura, com sua filha também loura. Chegou uma mulher, elogiou Gustavo e depois, sem nem me olhar na cara, se voltou para a mãe loura e perguntou se Gustavo era filho dela. Na hora, eu respondi, de forma ríspida, que era MEU FILHO. Mas ficou no ar o constrangimento, a ponto dela se desculpar.

Outra vez, estava com Gustavo no Museu da Casa Brasileira, brincando com ele e com conversando uma umas meninas, na faixa dos seus 8, 9 anos. Conversa vai, conversa vem, elas perguntaram na lata se eu era a babá de Gustavo. Falei que não, que era a mãe. E elas se surpreenderam, dizendo que não parecia.

Nas duas situações, ficou claro para mim que, na cabeça daquelas pessoas, a mim só restava ser a babá do meu filho. Não é novidade que, no imaginário da sociedade, aos negros cabem os papéis sociais que remontam à condição servil. A possibilidade de ser a mãe de uma criança com a pele clara estava descartada, não foi cogitada.

O pior foi quando eu fui contar isso aos amigos que, em sua a maioria. brancos, sem sentir, destilaram o preconceito quando tentaram justificar a situação. Ouvi as seguintes frases: - Você estava desarrumada?; - Mas, Evie, você deveria se vestir melhor, depois que virou mãe, você anda muito largada.

Ora, meus poucos leitores, quer dizer que para ser identificada como mãe do meu filho, eu terei que vestir roupa de gala. Se eu fosse branca, poderia estar de sandálias havianas, que nada aconteceria. O negro tem que ser o mais inteligente, o mais arrumado, o mais competente, senão, nunca será o dono do carro importado, mas, sim, o motorista, nunca será a cliente da loja, a mãe do filho branco, mas, sim, a sua babá que, por liberalidade da patroa, não está fardada de branco.

É como diz a música Ilê de Luz (composição de Suka-Carlos Lima), "até, meu bem, provar que não, negro sempre é vilão."

Outro ponto que não posso deixar de analisar é o fato de que, aquelas meninas que conversavam comigo no Museu, apesar de estudarem numa escola Waldorf, tida como inclusiva e tal, certamente não tinham vivenciado uma situação em que uma mulher negra e nordestina não as tivesse servindo. E os pais, tão graduados quanto eu, provavelmente não se preocupam em educá-las de outra forma.

Isso é triste e lamentável. E a mim, o que me cabe fazer para educar Gustavo nesse contexto?

1) Passar para ele a idéia de que ele é mestiço, assim como eu e o pai dele.

2) Ensinar que a nossa cor e outros traços físicos são fruto da coragem de gente que rompeu barreiras e se misturou e se enriqueceu culturalmente com isso.

3) Ensiná-lo a se impor e a descortinar o preconceito velado.

4) Combater com clareza suas eventuais atitudes preconceituosas, que certamente e infelizmente ocorrerão.

Em termos genéricos é isso ai. Só que, somente no detalhe, na vida cotidiana e nas pequenas atitudes é que se educa contra o racismo, principalmente, aquele que se encontra nas entrelinhas, de difícil comprovação e, consequentemente, de difícil punição.



13 comentários:

  1. É isso aí, Evie! Mesmo que muitos de nós tenhamos a intenção de não sermos preconceituosos, acabamos sendo, muitas vezes sem perceber. Por isso temos, sim, de pensar a respeito e nunca deixar o assunto passar batido. Eu acredito nos detalhes, no que fazemos e dizemos no dia a dia, não só em situações especiais.
    As meninas da Waldorf provavelmente nunca estudaram com uma criança negra nem convivem com elas. Por mais que os pais se preocupem com a sua educação, provavelmente nunca atinaram para esta questão do racismo porque os negros simplesmente não fazem parte da vida deles, a não ser como empregados. Eu acho muito triste tudo isso; perde mais quem se fecha assim para o mundo do que a gente, que sofre com atitudes assim mas que cresce e se fortalece convivendo com as diferenças culturais.
    Beijos

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  2. evie essa postagem, e´muito forte ,real e emocionante!!!
    Sem palavras!!
    Bjs Zil

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  3. concordo com Zil, eviética!
    tá excelente esse texto. compartilharei.

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  4. Orgulho de ti amiga amada. Lindo texto, linda lição.
    Mel

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  5. Evie, muito bom, a sua cara, direta, certeira e amorosa. Gente como você faz a diferença e beijos em Gustavo!
    Bj,
    Tetê

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  6. Uma vez, quando eu era criança, minha mãe me levou ao médico acompanhada da minha tia Gê, que tem cores bem mais parecidas c/ as minhas minhas (pele e cabelo) do que minha mãe. Quando chegou minha vez de entrar, o médico (ou talvez a secretária, já não lembro) disse: só a mãe por favor, olhando p/ a minha tia. "A senhora pode aguardar aqui fora.", se dirigindo à minha mãe.

    Acho que todo filho e pai que são diferentes um do outro passam por situações assim ao longo da vida, porque é natural esperar que semelhanças físicas existam e sejam visíveis entre eles. No caso dessa senhora do café, talvez ela fosse só tonta mesmo por não perceber que o Guga é a sua cara. Talvez ela tenha te visto como uma tia ou amiga da mãe-loira que por acaso estava segurando o suposto 2o filho, não?

    De qualquer forma, acho que p/ além do que tenha se passado na cabeça de vento desta mulher, bem faz vc em alertar seu filhote desde cedo p/ essas coisas. Infelizmente, como vc disse, não dá pra evitar que o preconceito chegue a nós e aos nossos; ele faz parte da vida, sempre fez e talvez sempre faça, de um jeito ou de outro.

    Ah, e vamos combinar que os tempos (p/ algumas coisas) mudaram e Havaianas hj em dia é chique! Já tá dando pra ter carro importado e Havaianas hj em dia. hahaha...

    bjs, amiga, e vamo em frente que atrás vem gente de todos os tipos, cores e credo. Viva o mix!

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  7. Olá Evie, estou passando aqui pela primeira vez e já gostei desse espaço. Te achei através do Facebook, tinha um link divulgado por Mel (Maria Alessandra, mãe de Gui), que é uma amiga muito querida.

    Parabéns pelo post e acredito que são atitudes como a sua que vão fazer diferença nesse mundo tão preconceituoso em que vivemos. Tomara que nosso filhos encontrem um ambiente mais saudável e respeitoso no futuro. Muito disso vai depender da nossa atitute hoje!

    Um beijo e se tiver um tempinho passa lá no blog que tem post sobre o tema também!

    Ivana

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  8. Ótimo texto Evie. Infelizmente o preconceito ainda existe em nossa sociedade, na cabeça e nas atitudes de muitas pessoas. Minha cunhada é bem parecida com vc fisicamente, é filha de negro e branca e o priminho do Bento tem cabelinho cacheado. Já Bento é loirinho... de cabelo cacheado! Eu, como tenho cabelo castanho e liso, já ouvi gente (mais de uma vez!) me perguntando se sou mãe dele. É mesmo de lascar. Que família brasileira não tem traços de miscigenação, não é?
    Mas você abordou outro aspecto, o do negro e do nordestino sendo vistos como empregados, e de ter que andar "bem-vestida". Isso é absurdo mesmo.
    Acho que vc está no caminho certo em suas atitudes para educar o Gustavo. Plantando uma sementinha em nossos pequenos podemos tentar mudar esse pré-conceito ainda tão enraizado...
    beijos!

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  9. Evie,é indignante tomar conhecimento, "in loco" ou não, de fatos onde o preconceito norteia as atitudes. Sofro preconceito pelos mais variados motivos. Ser negro, classe média (que é quase pobre), simples (no vestir) e ser policial, tem me rendido vários momentos no qual sofro discriminação.

    Algo interessante que várias vezes ocorre é quando estou fardado e uma criança de pele escura se aproxima. Tenho o impulso natural de passar a mão, carinhosamente,na cabeça da criança. Não por ela ser negra,masi sim por que sou louco por criança. Ao iniciar este ato carinhoso, algumas vezes a mãe me dirige um olhar assutado, como se pelo fato de eu ser PM eu fosse um inimigo dela ou da criança. Talvez seja umpreconceito defensivo. Mas frases do tipo: "Surpreendente um Militar que escreve poesia!" ou "Você nem tem cara de Policial."; estão presentes na minha rotina e , francamente, sinto mita pena de pessoas que não em discernimento nem senso crítico para perceber que tal elogio machuca tanto quanto um chute na boca do estômago.

    Sou simples, negro, PM (com muito orgulho), nordestino. Não éisso que me faz ser mlhor ou pior que alguem. Tento passar este princípio para Luis Otávio. Fico indignado com atitudes discriminatórias e não aceito quando elas partem de meu filho ou de alguem próximo a mim.

    “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” [ Nelson Mandela ]

    Trato esta citação como uma lei na educação de meu filho e na minha postura diária.

    Adorei seu post. Evienciar temas como este é um exercício de cidadania. Estou orgulhoso por ser seu irmão! Bjos!!!

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  10. Evie isso tem que circular. Vc conseguiu colocar em palavras o que a maioria das pessoas mal conseguem entender, e sendo assim uma semente para mudanca. Talento maravilhoso.
    beijao
    Mari M

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  11. Gente, esse post bombou, né? Mas esse assunto é assim mesmo, apaixonante, se não fosse triste. Tentei focar nas experiências que tive ligadas à maternidade, mas se estivéssemos numa mesa de bar, falando da vida, contaria mais histórias e impressões sobre o assunto. De qualquer forma, o preconceito tá aí, nas nossas cabeças, pronto para ser questionado e afastado. Antes de julgar previamente, vamos pagar pra ver. Difícil, mas possível. Beijo grande em todos.

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  12. Evie, minha amiga!! Putz!!! Como sabemos disso, né?! Comigo as desculpas são tantas, as justificativas de que me veem assim, assada, tantos tons, tantas ideias loucas...e as gentes são todas uma só, né?! Adorei seu texto, forte, impactante e sem ranços...Beijo, te adoro, amada!!!

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  13. Evie, como muitas pessoas disseram e registraram, seu texto é muito bonito, profundo, faz pensar e "precisa" ser "compartilhado", como foi. Penso que discutir aqui a caretice e a malignidade do racismo, não é necessário. Vc já fêz isso muito bem em seu texto e já me considero muito bem representado através de suas palavras. O que me interessa aqui, é te dizer que gostei muito de te ver "compartilhar" seus sentimentos. Compartilhar é o melhor exercício e talvez a única maneira de se lutar verdadeiramente contra um modelo sistêmico poderoso, encarregado de perpetuar a dominação, a exclusão e a restrição de tudo que for considerado diferente e ameaçador. Quanto ao Guga, na minha opinião ele já está sendo bem educado. Um dia ele vai poder ler o que a mãe dele achava de "certas coisas da vida" e como uma porção de gente concordava com ela. Vai sentir muito orgulho!
    Gd bj e parabéns!!

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